Tuesday, January 08, 2008

Os vários livros do livro


O encontro com o livro, como com o homem ou a mulher que vai mudar a nossa vida, muitas vezes num instante de reconhecimento de que não temos consciência, pode ser puro acaso. O texto que nos converterá a uma fé, nos fará aderir a uma ideologia, dará à nossa existência uma finalidade e um critério pode esperar-nos na secção dos livros em segunda mão, dos livros deteriorados ou em saldo. Podemos encontrá-lo, poeirento e esquecido, numa secção exactamente ao lado do livro que buscamos. A estranha sonoridade da palavra impressa na capa gasta pode então captar o nosso olhar: Zaratustra, Diván Oriental y Occidental, Moby Dick, Orcynus Orca. Enquanto um texto sobreviver, em algum lugar desta terra, mesmo que seja num silêncio que nada vem romper, é sempre capaz de ressuscitar. Walter Benjamin ensinou-o, Borges fez a sua mitologia: um livro autêntico nunca é impaciente. Pode aguardar séculos para despertar um sopro de vida. Pode estar à venda por metade do preço numa estação de caminho de ferro, como estava o primeiro Celan que descobri por acaso e abri. Desde aquele momento fortuito, a minha vida transformou-se e tenho tentado aprender "uma língua ao norte do futuro".

George Steiner, Los logócratas, Madrid, Siruela, 2006, p. 55.
 
Aqui e sempre, um livro é o que quisermos.