Wednesday, February 21, 2007

O santuário e a sua porta ou um pequeno ensaio em madeira sobre a Verdade

Era uma vez uma exposição de arte africana: máscaras de dança, máscaras de defuntos, imagens de pequenos deuses, uma porta de santuário e um portentoso ensaio sobre a Verdade esculpindo sabiamente a madeira. E vi a exposição uma vez, e não a vi quando a vi, e voltei a vê-la novamente depois de a ter visto através das palavras que a viram (por) para mim. Revê-la foi já olhar para a espessura intransponível daquela porta de santuário e do seu sagrado. Revê-la foi sobretudo contemplar a história fechada de uma história no imprevisto arranjo de pigmentos vários, sobre o desenho redondo da madeira. Era uma escultura com quatro figuras humanas dispostas em círculo, olhando cada uma delas na direcção dos quatro pontos cardeais, com um camaleão em cima das quatro cabeças. Sim, a Verdade (mas podíamos dizer todo o real) depende sempre do ponto de vista a partir do qual a olhamos e, tal como um camaleão, vai mudando em função do contexto a partir do qual julgamos percebê-la. Morte e vida, vida e morte, no andamento circular da cor no rosto das quatro figuras: o branco de que aparecem vestidos os negros à nascença, o preto da idade adulta e de novo o branco apoiando simbolicamente a morte. Qualquer morte. Filosoficamente perfeito. Cristalinamente simples. Meses de uma vida de repente retratados ali: o branco-branco do início, o branco-negro do meu deus como é possível e depois o negro-branco do fim. Porque a verdade de qualquer verdade depende sempre do lugar de onde a olhamos e esse lugar em mudança vai aos poucos alterando o seu sentido como se atingido pela sábia verdade do camaleão. E o que vemos no depois da mudança não é já (não pode ser) o que víamos no antes dela.