O passeio do poeta
Saídos da adolescência, acreditamos ainda que basta ao poeta olhar ao contrário dos outros homens, para o que guarda dentro de si, lá bem atrás dos olhos com que vê, para que a poesia aconteça, inteira, sublime e intocada quase pela mão humana. Coitados de nós, que ignoramos que o poema representa talvez uma das mais intensas impressões digitais do valor humano e que assim não pode nascer do poeta para o mundo, mas do mundo para o poeta. Se um aluno hoje me pedisse uma breve definição de poeta acho que lhe falaria apenas de um caminhante solitário, com olhos de água e uma cama lisa de palavras no profundo lugar do coração. Nem sei se o poeta passeia, mas sei que o poeta caminha, somando passos, tempos e imagens que são como linhas invisíveis que depois lhe tecem o mar tormentoso da escrita. O mundo avança, o poeta caminha, a obra nasce.
4 Comments:
O poeta não caminha,limita-se a deslizar sobre o mundo. Vê-o de cima como se ele fosse um tapete do qual capta o motivo imperceptível, não ao alcance do comum dos mortais. E é desse olhar outro que o poema nasce...
Discordo deste comentário. O poeta anda. Alguns pretenderiam deslizar (a sua poesia trai esse desejo), mas apenas andam. Isso torna válido o seu trabalho.
Se o poeta delizasse sobre o mundo teria dele uma visão predadora, incompleta, desligada da realidade. E o poema seria distorção. Embora caminhe, ele pára para olhar em redor e escavar, na sua sensibilidade, as palavras certas para dizer e mostrar o que os outros não descortinam. Assim nascem os poemas. E são eles que justificam esta caminhada que venho fazendo, passo a passo, pelos trilhos abertos pelos textos da Isabel Cristina.
A poesia não tem de ser um tormento solitário. Pode também ser uma felicidade partilhada.
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