Sunday, October 29, 2006

As meias da dália negra

Que Dália Negra não é um filme revolucionário, pelo menos como parece ter sido Femme Fatale na carreira de Brian de Palma? Concedo. Que Scarlett Johansson e Hilary Swank estão (mais a primeira do que a segunda) notoriamente subaproveitadas, em personagens sem muita espessura, apesar da sua potencial riqueza? É verdade. Mas nada disso retira ao filme aquilo que ele também é - um elegantíssimo exercício de estilo sobre a idade de ouro do cinema americano. Ora a elegância de um realizador não é nunca de desprezar, porque, como também sucede com as outras pessoas, é mais rara do que se pensa. E depois (mas devia dizer sobretudo), o filme de Brian de Palma tem Mia Kirshner, em imagens inesquecíveis de inocência e fragilidade. A figura trágica por excelência. A cena em que Elizabeth Short revela entre risos a sua história, rompendo as meias com as mãos para conseguir dominar as lágrimas, vale o todo do filme. Não é sequer uma cena, é um poema de amor, tragédia e morte. Numa entrevista de casting, alguém pergunta à dália negra se ela conseguiria um dia representar a tristeza. Provavelmente não, se o tentasse com a disciplina da razão, mas não conheço em cinema uma tão bela imagem da tristeza como a das suas unhas insinuando-se pelos buracos das meias. Há imagens que valem um filme e actores que o valem também. Espantosa, espantosa Meryl Streep, que faz de um filme banal (O diabo veste Prada) um filme realmente com interesse. Esta senhora, tão elegante na pele de uma requintada editora de moda nova-iorquina como na de uma mulher de meia idade do Iowa, não vale todo o filme, é todo o filme. Muito, muito de vez em quando, há actrizes assim.

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