Sunday, January 14, 2007

Auto-retrato

Serra da Estrela, 22 de Dezembro de 2006
No início fugia-nos por entre as mãos, mas no início era o Verão, ou o Outono, ou mesmo já o Inverno, porém ainda sem o gume do frio cortando a fatia invisível do ar - o estado líquido de ser. Depois, gota a gota, o ritmo perdeu-se na cadência regressiva do termómetro, como um corpo humano que de repente perdesse o pulso - a paragem do sangue, por entre as ervas descarnadas saídas da negra dureza do granito. A fotografia, que normalmente fixa na lente o andamento fugidio da matéria, não suprime aqui o sentido real do movimento, paralisando o fluir da água no exacto momento do disparo: esta imagem reproduz apenas a fotografia que o mundo a si próprio se tirou, num auto-retrato involuntário de quem só se limita a ser, uma vez que a natureza não age, a natureza apenas é. A fotografia já lá estava antes do fotógrafo chegar. Como se vê, o mundo passa muito bem sem nós.

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