Friday, December 01, 2006

Roleta russa

Odilon Redon, The Closed Eyes
Era uma mulher ainda jovem e esperara pacientemente no passeio que o sinal ficasse verde para os carros. Quando parei à sua frente, ela avançou um passo convicto no largo xadrez da passadeira e fechou os olhos com força, atravessando o mármore preto e branco do asfalto sem sequer soerguer as pestanas. Não sei se fechou os olhos para não ver o carro que cruzou apressado o claro adesivo das riscas ou se, pelo contrário, os fechou na vã esperança de ser apanhada por ele. Foi uma estranha roleta russa, sem balas nem canos de armas, mas com ferros, motores e a pressa redonda dos pneus. Quando a mulher atingiu o passeio oposto, abriu os olhos e continuou calmamente o seu caminho, tão serena como se levasse o destino na concha bordada das mãos.

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