Wednesday, November 29, 2006

A mesa vazia

De Chirico, Mélancholie hermétique
VERTIGEM
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Na circunstância da noite procuro o que resta
do ocaso: fragmentos de vermelho, o desenho
dos lábios no papel da memória, dedos
dobrando o fim do dia. Num sentido tão
preciso como a insistência do som, ouço
ainda a tua voz. Espalho-a nesta mesa
vazia, coberta pela toalha da obscuridade;
e recolho, por entre instantes de silêncio,
a sua entoação mais doce. Assim, chego
ao significado das coisas que estão para
além das palavras, como se não houvesse
aqui mais do que a vida, estremecendo
com a sua vibração de acasos, de encontros,
ou de uma decisão inexplicável contra a
inércia dos rumos. Não preciso, então, de
te dizer mais do que isto. O diálogo
chega ao fim, como esta noite, e a mesa
volta a ficar vazia, no centro do coração.
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Nuno Júdice, Geometria Variável, Lisboa, Dom Quixote, 2005, p.126.

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