05.12.2006 (Balanço)
BALANÇO
Que fica de quem passa? Um eco de mágoa
ao ouvido da tarde? Uma pausa de palavras
na frase do instante? Uma interrupção de passos
a caminho da porta? Um sal de sentimento
no coração da amada? A vida esfarelada
numa dissipação de rumos? Ou um peso
de esquecimento na sombra da memória?
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Mas quem passa não pensa no que fica,
se os passos o levam para onde espera
ficar; e se o seu destino é a passagem,
onde ficar é sair de onde não chegou a
habitar, é o tempo que o obriga a não olhar
para onde não há-de voltar, mesmo que aí
tenha deixado o que pensou consigo levar.
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Náufrago sem ilha nem barco, ou
marinheiro preso ao porto, é ele o seu próprio
fim, como se a cada momento não soubesse
que não é dele o que leva, e só é dele o
que perde, como se o não quisesse guardar,
para que chegue mais depressa, ao cair da noite,
a esse cais onde ninguém o irá esperar.
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E repete, então, o que não devia fazer, para tudo
fazer de novo, como se tivesse de o fazer.
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Nuno Júdice, As coisas mais simples, Lisboa, Dom Quixote, 2006, p.52.
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