Friday, September 29, 2006

On the road to nowhere

Agosto ia a meio e de dia os afazeres eram outros: pôr vaselina nos móveis antigos, forrar gavetas nunca antes forradas, resgatar do caos uma obscura colecção de selos e reordenar com método uma biblioteca do fim-do-século. Entre o riso e o brio de quem se propõe, em poucos dias, reordenar o mundo, o tempo corria fácil para as duas mulheres: no acongego alegre da família, entre contínuos pratinhos de arroz doce e o requeijão recém-coalhado, a queijeta artesanal e a massa folhada feita na hora, passaram uma semana na concha inebriante da casa, quase sempre de portadas corridas por causa do sol, implacável de luz na quietude granítica da laje. Ao anoitecer, porém, saíam ambas a pé, de mãos a abanar e olhos no céu, porque o espectáculo nocturno das estrelas parece ter outra verdade quando é visto do alto bem alto de um penedo, sem luz nenhuma saída da terra. Deitadas no granito, de barriga para o ar, elas olhavam a Ursa Maior e a Cassiopeia, Oríon e a Via Láctea, tudo tão nítido no negro retinto do céu como o desenho dos ossos nas radiografias. Falavam das estrelas e dos planetas, da imensidão do cosmos e da fragilidade do mundo, da pequenez dos Homens e da pequenez dos homens, tudo coisas sumamente importantes para quem um dia desejaria (talvez) encontrar-se com a impossível estrada dos planetas, das galáxias próximas e longínquas e dos sóis que ninguém vê. Buscavam a ciência e a insónia, a filosofia barata e a pretensão do conhecimento, na tácita certeza, porém, de que, a haver um dia um caminho certo para o infinito, nenhuma das duas lá poria o pé. O mundo por aqui é ainda belo, lá ninguém sabe.

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