Continenteonline
Tenho que confessar a minha autêntica sedução pelo Continenteonline. É que podemos perfeitamente estar em casa de chinelos, ou mesmo ainda na concha morna dos lençóis, e garantir, com só mais um clique, a súbita aparição das compras no chão da nossa cozinha, em fila indiana como os meninos nos colégios e ainda por cima impecavelmente embaladas e acondicionadas. É claro que as vantagens são inúmeras: a poupança de tempo e de esforço (e só não sabe o esforço que uma tarde de supermercado representa quem lá não vai), a fuga às famílias inteiras penduradas num só carrinho, com as crianças a correr pelos corredores fora e a pedinchar sempre alguma coisa, de mão insistente na aba do casaco dos pais e, porque não dizê-lo, também a poupança de dinheiro. Porque a verdade é que um clique em cima de um detergente que nos faz falta impede imediatamente o nosso olhar guloso e deslizante (fatal como o destino com a prateleira ao pé) para um amaciador que desconhecíamos (porque agora acrescido de aloe vera ou de outro milagre semelhante) e que de repente se nos tornou importantíssimo. Tudo isto, é claro, são vantagens inegáveis, sem as quais habitualmente já não passo, mas a verdade é que, ganhando tempo e paz de espírito, acabei por perder um hobby que muito me divertia e que me ensinou alguma coisa sobre as pessoas. Nunca experimentaram chegar à fila de pagamento e comparar o vosso carrinho com o dos parceiros do lado? Então experimentem e verão como é instrutivo. Porque há de tudo: senhoras sem paciência para nada e que compram ao mesmo tempo refeições congeladas e pacotes de rebuçados para entreter as crianças enquanto se aquece o jantar, jovens de calças rasgadas e crista de gel com uma ou duas coisas, aparentemente inúteis, na mão, velhinhas com embalagens de meias em promoção para despachar pelos netos no Natal, donas de casa que tiraram o dia para a coisa e abarrotam vários carrinhos, porque depois só no mês seguinte, miúdas à caça de dossiers da Floribella e dos Morangos com Açúcar, senhores de meia idade com folhetos na mão atrás de bons vinhos, etc, etc.,etc. Muito disto nos mostra como as pessoas vivem, qual o seu ritmo de vida, que tipo de empregos lhes permite andarem ali às compras, por aí. Por mais que seja cómodo vermos agora chegar a casa uma alface que nunca vimos em cima de uma carrinha, era realmente mais interessante quando éramos nós a escolhê-la pela comprovada frescura ou pelo aspecto inteiro das folhas, piscando simultaneamente o olho à alface do vizinho. Ultimamente, acabei por deslocar este prazer do Continente para a Makro, onde as compras são sempre makrocompras para a grande maioria que lá vai. É verdade, mesmo aí podemos saber se o minimercado do senhor que nos tentou roubar a vez na caixa é um estabelecimento do centro da cidade ou uma prquena mercearia em Casais do Campo, porque convenhamos que não é a mesma coisa encher o carro de sabonetes Cegonha ou comprar dúzias de caixas de Dove, assim como também não é o mesmo investir em caixas de Porta da Ravessa ou levar consigo várias caixas de Cartuxa. Aqui não é bem diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és, mas diz-me o que compras e dir-te-ei quem és (ou para onde vais, o que é o mesmo). Boas compras!
1 Comments:
Ontem segui a sua sugestão e olhei para o carrinho que rodava ao lado do meu. Que sinfonia polícroma e polimórfica, que denunciados gostos e íntimos usos!
O meu carrinho estava, ainda, vazio. E, por pudor, assim o fui deixar, naquela barulhenta e múltipla cópula metálica...
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