Sunday, November 12, 2006

Pequeno contributo para uma blogoética

Mosaico de Conímbriga
Há cerca de dois dias atrás, José Pacheco Pereira publicou nas páginas do Público um artigo que (estou certa) não terá deixado indiferentes algumas das pessoas que povoam o imenso labirinto da blogoesfera. «A diferença entre um quiosque e a blogoesfera», assim se chama o texto do nosso historiador, inteligente como sempre. Aparentemente despoletado pelos recentes episódios vividos por Miguel Sousa Tavares e Eduardo Prado Coelho, o artigo deriva depois para as razões do lixo e do luxo que todos os dias circula por aí em forma de blogue. Pacheco Pereira fala em 90% de lixo e em 10% de luxo, mas confesso que não é propriamente a questão das percentagens que aqui me importa. Que é infinitamente mais elevada a mediocridade do que a excelência? Pois claro que sim, tal como acontece em qualquer outro domínio onde intervenha a mão humana, a começar pela comunicação social que temos e a acabar na literatura que produzimos. O problema maior está, parece-me, na incontrolável desresponsabilização da palavra possibilitada pelo blogodiscurso, por oposição à ainda relativa responsabilidade imputável à palavra impressa. Como lembra o próprio Pacheco Pereira, «os jornais e as revistas têm responsáveis e não são como as cartas anónimas, ou os blogues que funcionam como cartas anónimas». Porque a acrescentar ao lixo da mediocridade, há ainda o lixo da anonímia que atinge blogues inteiros («os degraus superiores do inferno») e caixas de comentário inseridas em blogues assinados («as furnas da Internet»). Uma coisa e outra contradizem uma ética que não o é apenas da blogoesfera, porque o é, antes de mais, da própria escrita. E a ética da escrita exige que nos lembremos sempre que as palavras levam pessoas dentro e que essas pessoas têm um nome. Mais, que essas pessoas têm que ter nome se queremos preservar um sentido mínimo de decência no uso que fazemos das palavras. Pessoalmente, e porque as palavras me merecem um imenso respeito, nunca me passou pela cabeça, no momento de criar este blogue, ocultar o meu nome atrás de um pseudónimo, ou atrás de qualquer outro artifício que me permitisse escrever (ou comentar o que outros escrevem) na cobardia da sombra. A anonímia é inimiga da blogoética não porque os bloguistas anónimos possam escrever ultrajes ao seu abrigo (como no caso que envolveu M. Sousa Tavares), mas porque mesmo no momento do louvor é inimiga do sentido de ética que deveria marcar a vida dos homens. Por isso a caixa de comentários dos meus posts está actualmente vazia. É uma forma de protesto pela irresponsabilidade (chamemos-lhe assim) de quem ousa escrever sem o seu nome por trás.
À condenação da anonímia eu acrescentaria ainda a defesa do direito à pura ficção na blogoesfera. Na verdade, convencionou-se que um blogue era uma espécie de diário online, introduzindo-se, assim, no espírito das pessoas a convicção de que nele só poderia vigorar o mesmo princípio que atinge o seu autor na vida quotidiana - a real autenticidade dos factos, vividos ou imaginados. Nada mais falso, ou melhor, nada mais saudavelmente falso e pela mesma razão que levou Vergílio Ferreira a advertir da sua completa insinceridade no diário que escreveu e do seu muito maior despudor no romance: «A ficção lança uma cortina disso mesmo à nossa volta e defendidos por ela dizemos tudo. Quem escreve uma carta ou um diário sabe que se pressupõe que se vai dizer a verdade. E isso mobiliza logo em nós uma estratégia de defesa. O diarista, portanto, mais que o ficcionista, controla os meios e modo de expressar-se para que esta confissão - que sabe irá julgar-se "verdadeira" - seja apenas aquilo que ele quer que seja.» Touché. De modo que, com os olhos postos na sabedoria do mestre, continuarei aqui a escrever as minhas pequenas ficções (ao lado de breves apontamentos que não o são tanto), mais do que a escrever-me a mim própria nas ficções que escrevo, até porque é também por esse caminho que se busca a «respiração da verdadeira literatura», como tão simpaticamente se referiu ao conteúdo deste meu blogue o autor do Auto-retrato (http://retrato-auto.blogspot.com).

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